antes que a noite vire dia

Antes que a noite vire dia
– meu bem –
antes que a noite vire dia
deixa eu te dizer
da chuva que eu tomei hoje
inundando cabelo.
Deixa eu te contar que xinguei o motorista
– sim –
e que, segundos depois, ri de,
toda úmida, esconder-me no guarda chuva colorido.

Antes do sono
– meu bem –
deixa eu te dizer que aquela moça índia que estampa tua parede
sempre me dá boa noite.
E que a vela
– a vela –
sempre me incendeia e aquece um pouco.
Um pouco.
Um pouco menos que teu corpo.
Um pouco mais que meu olhar.

Deixa eu te dizer do afeto
ou deixa eu acariciar sem fala alguma.
Dizer assim, qualquer quinquilharia
– meu bem –
só para, durante a fala,
olhar-te um pouco mais.

Vamos falar de ontem.
Vamos falar de amanhã.
Mas vamos, mais que tudo,
falar de hoje? Do hoje?

Meu bem,
antes que a gente anoiteça
vamos rir com o vinho do teu pai?
Vamos supor pela mãe que não sou capaz de ser?
E, para além de tudo, vamos brindar o que nós somos sem querer mudança…
Vamos brindar?

Uma madrugada a mais para nós.

Para nossos corpos
– magros –
a se entrelaçar.
Para nossas incertezas
– concretas –
a bordar presente.
Uma madrugada
(meu bem)
é tudo que temos de real. Hoje. Em hoje.
E no mais é vazio. É não interessa. É não importa.

Antes que a noite vire dia
a gente pode ficar assim
– meu bem –
se encarando feito madrugada encara lua?
A gente pode ficar nesse abraço
(infinito)
e posso ficar cá, no teu cabelo escondida, até amanhecer?

É nesses instantes que ando habitando
(sabe?)…

E, assim,
agora que é o instante derradeiro
entre o sono
e o sonho,
deixa eu silenciar em olhar
e dizer-te
(em honesto sentir)
que me faz bem.
Que
tua
leveza
faz-me
bem.

Assim, só para que saibas um pouco mais do meu hoje.
Sem nenhuma pretensão de futuro.
Sem nenhum rebuscar de passado.
Só por hoje
(hoje só).
Em brinde pelo encontro e silêncio e pulsar.

Beijo-te em boa (noite)
e tudo o mais é só carinho
e madrugada
e ser.
Deixemos que venha
– a noite.
Deixemos que amanheça
– o dia.
Só nisso, nessa canção inconclusa
de dia que finda em infinito nascer.

Boa noite, meu bem.
Bom dia.
E que doce (quão doce) seja…
Que seja. Que és.

Um comentário

  1. Pontos – meus – sobre Ela

    Ela tece escrituras tal qual aquela maneira – poemística – que apenas as tecedoras de sonhos sabem fazê-lo.
    O Tempo – indecifrável a mim – que Ela inala parece fazer com que seu coração, nestes ensejos, se desate em pequenos pássaros, que lhe guiam a palavra-ponto seguinte.
    Cada fragmento tecido – dum universo infindável –, assim, é (re)visitado cuidadosamente por Ela, pois sabe, no mais profundo de si, que está a tecer sua própria vida.

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